Cruz celta

vem mais pra perto

tire agora desse concreto
tuas opiniões reviradas
endurecidas, mortas

quebra e joga fora

sai da tua zona de conforto
planta asas entre os pés
que sementes voam

experimenta o olhar

olhos nos olhos são faróis
legenda de filme francês
- tua cruz celta na pele

aceita os acasos

vai que são elementos raros
páginas de um livro antigo
consumido ao contrário.

Ana Paula Coelho

Jeito de ilha

Me conta piadas novas
dá teu jeito de alegrar meu dia
rimas doidas num bloco de notas 
poema das horas sem tua despedida

e como num gozo prosado de Miró:
"vem alcançar meu sonho por inteiro"
faz bolo, café - essas coisas de zelo
e me diz que tua Lista é apenas 
de supermercado...

que teus beijos são raros
e teus discos de Fátima Guedes
não cantam de fato tua dor
são só letras pra ouvir
teu jeito de ilha
armadilhas 
pra me seduzir.

Ana Paula Coelho

Jogo da rotina

Embora vítima do tempo
desfolha-se o entardecer de versos
como antes pretendia

dourando-me as retinas
uma ciranda arrastada de desejos
dança ao refrão dos dias...

embaralho o Jogo da Rotina
para que cada pires, cada xícara
jamais retorne ao seu lugar.

Ana Paula Coelho

Ansiedade de cursor

Sob muitas influências
e agora sem o estopim habitual
ela estagnou na dimensão dos nadas

perdeu o olfato para as rimas
o paladar para as palavras
tudo parecia realidade

e de realidade a poesia não vingava.

Angustiada ela sofria
uma ansiedade de cursor |
piscando expectativas...

sem sair do lugar
sem ter o que dizer
sem ter o que salvar.

Ana Paula Coelho

Febre de subjetividade

Não dá pra escrever poemas 
sem que se tenha um toque de blues no coração. 
Um tanto de saudade, uma dose de ilusão 
que um dia se desfez no vento feito nuvem, 
mas que até hoje se deixa dedilhar numa canção...

Não dá pra escrever um poema 
sem que se tenha perdido algo de concreto na vida. 
Um ente querido, uma amizade antiga, 
um grande amor com o qual se teria construído uma família 
ou editado um livro...

Não dá pra escrever um poema 
sem febre de subjetividade até os ossos. 
Asas nos pés, estrelas nos olhos, 
uma lua refletida no espelho do mar 
cintilando conchas na areia, 
inspirando um cântico hipnótico de sereia...

Não dá pra escrever poemas 
sem aquela velha voz interior sempre lembrando 
que é possível ir além, sem medo de errar 
e com sensibilidade suficiente pra entender 
que o poeta não domina um poema, 
o poema é que o detém.

Ana Paula Coelho

Eixo

Apenas um pouco de paz
Disse largando o vinho sobre a mesa 
Cruzou os braços e esticou as pernas
Queria relaxar as ideias
Adormecer as sentenças
Pra que seu eixo se estabilizasse
Só assim voltaria a sentir
Não só o frescor, mas a presença 
Da rosa branca que trazia no peito
Com todas as respostas em segredo.

Ana Paula Coelho

A maior de todas

A maior beleza de todas, ainda reside no coração mais puro, 
na gentileza gratuita, na caridade discreta, 
na capacidade de filtrar palavras que possam ferir por ironia.
A maior de todas as belezas, nunca esteve por fora, 
sempre esteve por dentro. Dentro de tudo que é sincero, 
que é troca sem segundas intenções, dentro do perdão 
que não se preocupa se é Deus ou uma pedra quem está observando, 
pois se comporta do mesmo jeito com ou sem testemunhas. 
A maior beleza de todas está na vontade de compartilhar sem competir. 
Na habilidade de expor tudo que há de profundo e eterno 
no espaço de tempo que tanto ensina, mas que pouco se aprende, 
ainda que seja em forma de prosa ou de poesia.

Ana Paula Coelho

Capricórnio com ascendente em peixes

Ela é de Capricórnio
Com ascendente em Peixes
Adora rosa branca 
Flor de cerejeira
Borboletas e luas
Corações e estrelas
Bebe muito café
Parou de fumar recentemente
Sua cor preferida é azul
Mas veste o preto irreverente
Gosta de cabelos curtos
Brincos de argola
Sapatos confortáveis
E só usa bijuterias de aço ou de prata
Não consegue fazer uma conta de cabeça
Decorou uma lista com mais de mil filmes 
Escreveu um poema para Louis Garrel
Seu poeta preferido é Leminski
Ainda guarda livros da adolescência
Ama Bon Jovi e The Beatles
E prefere escrever de madrugada.

Ana Paula Coelho

Muito mais

Dizem tantas coisas dos poetas...

Que são tristes
Solitários
Melancólicos
Otários
Depressivos
Suicidas 
Mentirosos
Dramáticos
Egocêntricos
Sem noção
Tímidos
Sedutores
Românticos
Sexuais
Psicopatas
Idiotas
Letárgicos
Letais 
e muito mais...

Digo que os poetas são, apenas.
Eles apenas são. 

Ana Paula Coelho


Tecla SAP

De poeta e louco, todo mundo tem um pouco. 
Basta usar a tecla SAP e descobrir nas entrelinhas...


Ao invés de tirar pra dançar 
Te levo mundo a fora 
Passear em pensamentos 
Ouvindo histórias
Puxando um pouco de atenção
Através de verbetes e palavras
Aglomerados da cabeça para o lápis 
A amizade de seduzir teu coração 
Buscar compreender tua alma ferida
Também trago no peito minhas marcas
De arranhões que eu mesmo escolhi 
Para serem pequenas tatuagens no meu espírito.

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Com meus poemas busco
Entender essa loucura de ser humano
De ter amigos e amores
E nessa outra parte, talvez 
Eu possa ser um pouco desorientado do amor
Mas, orientado do coração, da boa conduta
Do correto e do que há de mais belo
Buscando entre o desalinho da civilização na cidade 
Manter-me sóbrio sem bebidas ou drogas
Apenas buscando um enriquecimento maior
Desse meu amor pela desgastada solidão.

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Ah mulher sutil de muitos encantos!
Na lareira esquentando o corpo sozinho
Busco me converter a mim mesmo
E entender meus fantasmas 
De um passado sombrio
Tomando coragem pra mudar de novo
Essa vida de acomodações e loucuras
Sem mais estar nessa caverna
Partir para um outro mundo
Sem ter pressa de ficar acorrentado.

Marcio Bana

Teus áudios

lendo tuas linhas
me conta cada palavra enigma
um pouco do que tu carregas no peito
afoito peito pássaro
de passados e futuros instantes
em teus méritos
no que também tentas conter

ouvindo teus áudios 
tradução necessária e urgente
de tudo que perdi por não entender
trouxe novidades e sentidos
vestiu de paciência as horas
de pensamento querendo virar fumaça
foi o grave da tua voz
que hermeticamente me destituiu

Ana Paula Coelho

Labirinto infinito

Se fosse perfeito
ainda estaria guardado no peito
e não numa esquina que se cruza correndo
sob ameaça de chuva quando muda o tempo

Se fosse pra ser
não teria apenas conversa arquivada
com tantos achismos, tantas ciladas
nem pausas de raiva e arrependimento

Se fosse destino
o beijo traria um labirinto infinito
milhões de poemas seriam escritos
e a intenção viveria em lua de mel.

Ana Paula Coelho

Resposta a Oração de Vitoria Carolina

Acredito que estamos aqui na Terra para aprender e evoluir. 
Acredito que o maior aprendizado de todos 
é justamente o que a maioria hoje em dia ignora: o amor ao próximo. 
Sei que um dia, todos no planeta terão a percepção 
de que somos muitos e, somos um só, ao mesmo tempo. 
E Deus não mais precisará dispor de todas as respostas, 
porque não mais lhe serão feitas todas as perguntas. 
Sei que nesse dia, o universo aumentará o seu processo de expansão, 
e a condição humana será de apenas renascer pra construir 
ao invés de só morrer por destruir.

Ana Paula Coelho

Rimas tangíveis

Gosto da noite que me devora 
até o último fôlego,
da inspiração que me consome
até o mais nítido verso
e do resultado, ainda que incerto
de todas as rimas tangíveis.

Ana Paula Coelho

Asas da leveza

No âmbar de uma noite meio tímida
pela luminosidade nas folhas
um poema se escrevia

Solto, nas asas da leveza que o atraía
um coração outrora tão descrente
de versos e rimas se expandia.

Ana Paula Coelho

Zizo e Eneida

Desse filme que tanto me marcou por sua densidade, deixo o registro cronológico dos três poemas que Zizo (Irandhir Santos) escreveu para sua musa Eneida (Nanda Costa) em Febre do Rato...


Observo a coisa que se aproxima
Com a arma em punho
E na outra, bastante trêmula
O desprezo de suas investidas
Desnudas à porta dos dias
Semimorta no centro do mundo
Agressiva nas coisas miúdas
E abstrata, nos problemas dos dias.

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Fodendo calada na noite
Furacão distante e lindo
Sua prosa leve e solta
Maligna em sua atitude
Fria em sua dureza
Recebo no rosto o seu mijo... mirrado pelo espelho
Que nem tempo dá para reparar no reflexo
No cabelo complexo da boceta da menina
E na mão antiga, amiga enfadonha
Precipita sobre o corpo vadio
A baba do quiabo tocado pela imaginação.

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Escrevi meu nome em um sacrário
Que se encontra ao lado da geladeira
E próximo aos pequenos frascos de remédio
E junto a isso tem uma estante
E sobre essa estrutura um espelho
Que reflete o rosto do homem
Com quem cotidianamente tu compartilhas o dia
E faz coisas diferentes
Como declamar o abecedário de traz pra frente
E eleger certas cores raras, como suas preferidas.
O homem comum, o mesmo do espelho
Não acreditava muito nos pensamentos, e começou a listar:
Passei o dia cortando passos, arrumando coisas
Desfazendo nós, roendo as unhas
Falando só, assistindo TV
Descobrindo ruas, circulando mapas
Fumando cigarros, trapaceando bandidos
Viciando o organismo, analisando o sangue
Regendo conflitos, adulando desejos
Reinventando sonhos, evitando pânicos...
Destratou seus sentimentos como que pedindo benção a Deus
E ao Diabo pra o livrar das contas, e entrou em casa.
Deixou a arrogância lá fora descansando
Pra beijar a juventude que dormia no sofá.
Beijou, e sua mão entrou tanto, tanto, tão longe
Que alcançou o coração do sonho
E ali teve a certeza de que queria entrar
No sonho por inteiro.



Poesia prescrita

Aqui, ainda que breve 
entre os neurônios abstinentes
a poesia, não pense
que deixou de existir.

Dormiu versando sonhos
rimando verbos e mistérios 
que fazem do poema o que ele é:
um universo na hora em que termina...

Aqui do fundo mais fundo
no escuro mais pleno, só e absoluto
a poesia prescreveu
se convertendo em outro assunto.

Ana Paula Coelho

Adormeço

Os dias passam lentos
noturnos
e a cada hora me cai uma lua
uma estrela nos olhos
Adormeço 
nesses dias sem dias
sem sóis
sem sonhos
sem nós.

Ana Paula Coelho

Soneto do Desencontro

Soneto inspirado no filme: Os Agentes do Destino com Matt Damon e Emily Blunt.


 Dedico um soneto ao desencontro 
Que num sopro apagou a linha reta
Que um anjo de Deus riscou na areia
Nublando, assim, a trilha dos amantes

Os condenando a seguir pela vida, errantes 
O fez sem dó, só para vê-los mais distantes
O desencontro desconhece o que é dilema
Não sabe do caos e suas consequências

Não sabe o que é sentir a todo instante
O coração pesar vazio, triste, delirante
Sem sequer achar quem o compreenda

O desencontro é feito emenda
Se muda a rima de um soneto
É pra estragar todo o poema.

Ana Paula Coelho

Os olhos de Kiki

Nos olhos de Kiki
Vejo origami infinito
De pássaros coloridos
Com pupilas radiantes
Que fotografam o mundo!

Mas não é só de belezas
Que vive o Verde desses olhos.

Se escurece de tristeza
Reacende brilhante na alegria
Se chora lágrimas de decepção
Dá mil vezes a volta por cima 
Rodando nas asas da retina 
Feito um furacão...

Os olhos de Kiki não são fracos não!

É uma tela em branco a se pintar
Com enlevos de pluralidade
De fé, amor ao próximo
E simplicidade.

Ana Paula Coelho

Recompensa

Das coisas raras 
que voam de nossas mãos
por serem coisas soltas
digo de forma serena
que o tempo é recompensa
ainda que tentem nos tirar a graça
de quem sempre sonha acordado
com estrelas nos olhos e asas 
no lugar dos sapatos.

Ana Paula Coelho

Jeito

De tanto te olhar
me deu febre
e o tanto de febre
me deu jeito
de falar
ainda que em brasa
o que sinto no peito.

Ana Paula Coelho

Me importa saber

desenhando no ar 
tua forma de se calar 
e se manter abstrato
até mesmo na foto
do velho porta-retrato
me importa saber
ainda que seja quase
do teu sério mais lúdico
meio cínico meio kamikaze

Ana Paula Coelho

Transamor

trans
forma
dor
é o amor

que pega o último instante
e converte em eternidade
pega o próximo sorriso
e rabisca um coração

Ana Paula Coelho

Desejo de voo

Teu beijo
Delírio de sonho
Esboço surrealista
Desejo de voo
De asas na ventania.

Ana Paula Coelho

O mundo de alguém

Como disse Clarice: cada pessoa é um mundo, um pacotinho de segredos, de detalhes únicos. Então, sem se dar conta, você pode ser o mundo de alguém que te admira, que te ama ou que simplesmente se inspira em você. É preciso cuidado, empatia e gentileza para lidar com a energia de todos que nos cercam. Sempre lembrando que podemos ser o mundo de alguém e que esse alguém, de repente, também pode vir a se tornar o nosso mundo.

Ana Paula Coelho

Momentos explícitos

Não me arrependo das crises, dos desabafos, dos patéticos pedidos de ajuda quando estou mais vulnerável. Claro que sei, nem todos os amigos querem de verdade o meu bem, mas prefiro arriscar, expor minha jugular. São em momentos explícitos assim que a verdade nos afunda de vez ou nos faz emergir. 

Ana Paula Coelho

Elástico

são duas voltas no cabelo
elástico segurando ideias
como as folhas num galho
só o vento pode desfazer

Ana Paula Coelho

Em preto e branco

Ele vive no tempo que se permite
e não se importa
se deixa saudades ao ser breve
ou se pesa por se demorar

imprime-se em ondas
desloca-se em plânctons
ele nunca dorme
e dança na película dos meus sonhos

seu olhar é denso quando distraído
e frívolo quando fica sério
é um olhar que penetra de forma irreversível
intenso abismo disfarçado de céu

beija como quem morde
abraça feito cachecol
seus cabelos desgrenhados
me dizem o quão desprendido ele é

de todas as regras que existem
toda a estética
que remete seu rosto ao cubismo de Picasso
e em preto e branco me faz escrever

seu nome é uma rima
nos meus lábios um mel
um poema de menino
roteirista e ator: Louis Garrel.

Ana Paula Coelho

Louis Garrel (Ator)
Louis Garrel


*Louis Garrel nasceu em Paris em 14 de junho de 1983, filho do cineasta Philippe Garrel e da atriz Brigitte Sy. O seu primeiro papel foi aos 6 anos, no filme Les Ministères de l'art, realizado pelo seu pai, no qual foi protagonista. Mas mesmo tendo começado sua carreira cedo ao lado do pai, ele apenas deslanchou verdadeiramente após seu papel no filme Os Sonhadores (The Dreamers) de Bernardo Bertolucci, interpretando "Théo", em 2002.

OBS: Tenho três novidades pra contar! A primeira é que a partir dessa postagem eu passo a assinar meus poemas sem o sobrenome Bernardo que provem do meu avô materno. Decidi assim, não por problemas pessoais, mas por uma nova identidade visual mais simples. As duas outras novidades é que parei de fumar no dia 26 de julho de 2020 e criei uma página no Facebook também chamada "Enquanto o mundo cai..." justamente pra ser um complemento aqui do meu blog. E confesso que já estou me divertindo muito fazendo novos amigos poetas. A página está me ajudando a controlar a falta que sinto do cigarro e estou me desafiando todo dia com isso, pois sempre escrevi fumando então jamais pensei que fosse conseguir continuar escrevendo sem o vício da nicotina... Mas é um dia de cada vez e graças a Deus estou indo bem ;) Deixo um grande beijo a todos que me acompanham aqui no blog desde o início e agora peço que me acompanhem também lá no Facebook em: @enquanto.o.mundo.cai