Códigos de abismo

Mas se me dou um sorriso no espelho
que seja para amenizar cortes ocultos
cicatrizes num vulto que me assombra

as horas passando deviam animar meu pensamento
mas o entardecer é tão lento que me trava os dedos
ainda que a poesia queira te escrever eternamente

chega a noite trazendo o beijo sutil das estrelas
fases da lua se asemelham a códigos de abismo
aqueles imprevistos que dão ritmo aos poemas

e a saudade é um soneto imperecível ao tempo
meu verso solitário é desespero de náufrago
- reticências e vírgulas tentando respirar.

Ana Paula B. Coelho

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Apenas consome

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora

Há tanto tempo sua própria tessitura.

Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

Hilda Hilst

"O corpo é bem capaz de trair a si mesmo
mas jamais trairá a alma que o habita"

...Então já faz tanto tempo
E esse tempo ainda dissolve à toa.
Tem medidor de segundos, minutos, horas 
E sequer sente remorso de suas vítimas expostas.

O tempo apenas consome. 
Como café aos estômagos 
Cigarro aos pulmões
Poesia aos sorrisos... 

O tempo é um piano sombrio
Gótico eco aos intrépidos ouvidos.
O tempo rouba inocências e sinceridades
E é mais sucinto que nossas meias verdades. 

Ana Paula B. Coelho

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Inverno e palavras

Somos inverno
sob o estado que não pretendemos
sentenças ressurgem
por trás dos muros que erguemos
mas o coração continua batendo
pois nasceu para uma trajetória de sangue 

Somos palavras
sob o desespero dos que não entendem
esmaece o entardecer
morrendo do luar e brilho das estrelas
mas as centelhas resistem
porque nasceram para uma odisseia de ideias.

Ana Paula B. Coelho

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De pronto

No meio 
do peito 
me bateu a lua

meu coração saltou
de pronto 
num ponto 

final.

Ana Paula B. Coelho

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Doente

Em torno dele criou-se 
um muro invisível
uma espécie de limbo
onde me encontro a suportar

não só a distância lírica - antes física
mas também a distância telecinética
anestésica que me obriga a estagnar

ressentida de lamentos
sombria de arrependimentos
doente do "jamais me aproximar".

Ana Paula B. Coelho

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O sentimento

Agora sei que as constantes decepções
jamais vão destruir meus poemas
ou me roubar a inspiração...

O sentimento que verso em prosa e rima
não está nas pessoas que me decepcionam
e sim na minha capacidade de superação.

Ana Paula B. Coelho

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Saudade do futuro

Alguns ventos são tão leves - brisas
Outros tempestades - tormentas
De repente é tão serena a minha vontade
Uma espécie de saudade do futuro
De um poema que ainda não foi feito
Cuja rima está guardada no meu peito
Por décadas.

Ana Paula B. Coelho


Cemitérios

"Não era o espinheiro que se curvava para as madressilvas, 
mas as madressilvas que abraçavam o espinheiro. 
Não se tratava de concessões mútuas: um mantinha-se firme 
e os outros cediam. E quem pode se mostrar malévolo e irascível 
se não encontra opção nem indiferença?"

(Trecho de Wuthering Heights)


Mas já é tarde, tão tarde
pra uma nova fusão de retinas
para fechar as cortinas e enxergar...

Enfeitemos com cruzes os cemitérios
os pecados mais sérios de se desvendar.

Ana Paula B. Coelho

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