Cachorro louco

Sete e dez.
Aqui jaz o sol,
sombra a meus pés.

Trevas.
Que mais pode ler
um poeta que se preza?

Paulo Leminski


Desde quando conheço Leminski?
Desde o final da década de 80.
Onde conheci seus poemas?
Bem, o primeiro que li foi numa dessas revistas para adolescentes da época, Capricho ou Carícia, não me lembro bem o nome rs... Mas sei que depois de ler o primeiro poema dele na revista, passei a buscá-lo nas livrarias, louca pra conhecer mais sobre sua vida e sua poesia singular. Vale lembrar que nessa mesma revista eu também li um poema do Cacaso e achei instigante.
O que eu lia antes de Leminski?
Vinícius de Moraes, Castro Alves e Álvares de Azevedo. 
O que mudou depois de conhecer os poemas do Paulo Leminski?
Eu passei a entender que poesia é muito mais que métrica e rima. É principalmente ritmo de sentimento e, ainda, idiossincrasia. Pode ser escrita ou não, o ideal é que seja livre, como um desenho, uma fotografia, uma música ou mesmo um grafite de rua.
O que o passar dos anos fez comigo nesse período lendo outros poetas além de Leminski?
Me fez entender que poetas como Pablo Neruda, Florbela Espanca, Mario Quintana e Cecília Meireles, por exemplo, complementam a proposta de Leminski: chamamos de "poema" o mais belo registro de um momento, seja ele essencial ou banal, o que importa é ter sensibilidade para descrevê-lo de modo que se torne atemporal.

Ana Paula B. Coelho


Deixo aqui dois poemas do Paulo que amei. Foram retirados do livro Toda Poesia:


pergunte ao pó

cresce a vida 
cresce o tempo 
cresce tudo 
e vira sempre 
esse momento
cresce o ponto 
bem no meio 
do amor seu centro 
assim como 
o que a gente sente 
e não diz 
cresce dentro.


donna mi priega 88

   se amor é troca
ou entrega louca
   discutem os sábios
entre os pequenos
   e os grandes lábios

   no primeiro caso
onde começa o acaso
   e onde acaba o propósito
se tudo o que fazemos
   é menos que amor
mas ainda não é ódio?

   a tese segunda
evapora em pergunta
   que entrega é tão louca
que toda espera é pouca?
   qual dos cindo mil sentidos
está livre de mal-entendidos?




O tempo inteiro

"Pela distração, pelas voltas que dei até chegar a você 
que sempre esteve tão perto..." 


Talvez seja só isso
e a gente buscando por décadas 
uma tradução em tela com legendas amarelas

Buscando o longe sempre perto
o óbvio que por medo evitamos
a constelação apagada pelo excesso de luz
a ventania que observamos por trás das vidraças

E que pelo cansaço da constante procura
pela decepção que nos fez deixar de acreditar
nos conformamos
e se conformar é abismo quase irreversível

Mas, por sorte ou por destino
quem sabe ainda por mera distração
esbarramos no que aguardava oportunidade mágica 
camuflada de oportunidade casual

E de repente nos vemos no simples 
no que sempre pareceu incompleto
que esteve ao alcance o tempo inteiro 
torcendo para que não mais poupássemos abraços

Daí passamos a acreditar nas lendas
no choro da criança longe dos pais
no perdão sincero que muda mais a nós mesmos 
que a própria pessoa que finalmente perdoamos

E é só isso
sempre foi
o tempo todo.

Ana Paula B. Coelho