Região abissal


"As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem 
mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável 
o concurso de uma pequena antipatia física."

                                                                                          Nietzsche


           Ele é tão frio quanto o mar que começa em seu nome. E falar do Mar talvez seja falar um pouco sobre o que não se pode desvendar, por ser naturalmente um mistério, por ter me afetado de duas formas: positiva e negativa...
        Como uma moeda, ele tem dois lados. É como se pudesse dividir as vinte e quatro horas do meu dia em dois períodos de doze horas. Na primeira metade está tão amigo e amável quanto um anjo, e na segunda, tão obscuro e perigoso quanto um demônio. Se apaixonar por ele é ser feliz ao se atirar do abismo - a certeza da morte não causa dor quando os instantes finais valem a felicidade de uma vida.
         Ao menos pra mim, seu lado interessante se deu no devaneio dos sentidos. No modo como, entre quatro paredes, ele foi capaz de me tocar a alma e o coração usando os olhos, o cheiro, as mãos, o domínio controlado dos beijos e um canto displicente, desacelerado, hipnótico, breve e surreal. 
       De modo inacreditável, ele também me envolveu usando sua capacidade de obter prazer sem se importar se o mesmo prazer, de fato, era retribuído. Esse detalhe, essa despreocupação faz parte do "mar" em seu nome. Da região abissal que o contamina... É um lado negativo que antecede seu jeito insuportável fora das quatro paredes - prisão temporária que rouba os sonhos de seus esquecidos.

                                                                                                           Ana Paula B. Coelho