Versando

Leva de mim esse amanhã que não cantarei
ele está cá dentro, versando em meu peito
um poema de amor irresistível ao tempo.

Ana Paula B. Coelho

(Clique na foto para ampliar)

Passagem

Esse destino
essa irrealidade
cruzando esquinas
redefinindo identidades

dê-me óculos escuros
mais café e cigarro pra viagem
a vida é tão curva e a poesia passagem
parte o trem na estação, vou seguindo miragens.

Ana Paula B. Coelho

(Clique na foto para ampliar)

Ao sol

A poesia está 
num piscar de olhos
num beijo roubado
no armário desarrumado
que guarda segunda pele
e segundas intenções...

A poesia está
nos verbos dialogados
nos postes iluminados
de olhos que ainda se cruzam
depois das chuvas e tempestades
ao sol de românticas estiagens...

A poesia está
em tudo que pulsa
no todo que vibra 
nas cordas vocais

Na beira do cais 
é barco à deriva
um suspiro de lira 
surpreendendo os mortais.

Ana Paula B. Coelho

(Clique na foto para ampliar)

Região abissal


"As mulheres podem tornar-se facilmente amigas de um homem 
mas, para manter essa amizade, torna-se indispensável 
o concurso de uma pequena antipatia física."

                                                                                          Nietzsche


           Ele é tão frio quanto o mar que começa em seu nome. E falar do Mar talvez seja falar um pouco sobre o que não se pode desvendar, por ser naturalmente um mistério, por ter me afetado de duas formas: positiva e negativa...
        Como uma moeda, ele tem dois lados. É como se pudesse dividir as vinte e quatro horas do meu dia em dois períodos de doze horas. Na primeira metade está tão amigo e amável quanto um anjo, e na segunda, tão obscuro e perigoso quanto um demônio. Se apaixonar por ele é ser feliz ao se atirar do abismo - a certeza da morte não causa dor quando os instantes finais valem a felicidade de uma vida.
         Ao menos pra mim, seu lado interessante se deu no devaneio dos sentidos. No modo como, entre quatro paredes, ele foi capaz de me tocar a alma e o coração usando os olhos, o cheiro, as mãos, o domínio controlado dos beijos e um canto displicente, desacelerado, hipnótico, breve e surreal. 
       De modo inacreditável, ele também me envolveu usando sua capacidade de obter prazer sem se importar se o mesmo prazer, de fato, era retribuído. Esse detalhe, essa despreocupação faz parte do "mar" em seu nome. Da região abissal que o contamina... É um lado negativo que antecede seu jeito insuportável fora das quatro paredes - prisão temporária que rouba os sonhos de seus esquecidos.

                                                                                                           Ana Paula B. Coelho


Todo desejo

Não, você não precisa ter sentimentos
eu os tenho por você, por mim, por nós
pra que nosso envolvimento - embora frágil
seja memorável nos versos especiais desse poema
romance em tela de cinema noir, quase vulgar
excitante, itinerante experimentando outros corpos
comparando nuances, aprendendo novos beijos
porque todo desejo tem um "quê" de traiçoeiro
quando nos damos conta, é página marcada num livro
vinho tinto numa taça, algodão-doce d'uma praça
pipoca, bolas de sabão, canção em violão alheio
centeio em massa de pão... Alimenta!

Ana Paula B. Coelho

(Clique na foto para ampliar)

Intermediário

O entardecer nos fala
do adeus das manhãs
do olá das noites
- instantes de vida
que observamos passar
ou que de fato vivemos...

Quem me dera deter a tarde
esse intermediário de ilusões
de canções jamais cantadas 
mas constantemente escritas.

Ana Paula B. Coelho

(Clique na foto para ampliar)